Por Márcio de Paula –
Foi por pouco, por muito pouco, que os registros de um dos capítulos mais importantes da história cultural e esportiva de Timóteo, e do Vale do Aço, não foram totalmente destruídos em meio à ruínas do antigo Clube Alfa.
Ao longo dos últimos anos o clube enfrentou grave crise financeira devido a vários fatores. As dívidas foram acumuladas até a situação ficar insustentável. Após vários processos judiciais o Alfa foi comprado por um grupo de empresários, o que possibilitou o pagamento de dívidas trabalhistas, entre outras. Além da sede, localizada no bairro Horto Malaquias, o grupo também adquiriu a orla da Lagoa Bonita, que pertencia ao Clube. Na sede em Timóteo será construído um condomínio, a antiga estrutura já foi totalmente demolida.
Nos seus tempos áureos, o Alfa promoveu eventos que atraíam alguns dos mais importantes artistas do cenário nacional com a Festa de Peão, e principalmente, o Uirapuru, festival de música com repercussão nacional. Zé Ramalho, Luiz Gonzaga, Belchior, Paulinho Pedra Azul, Zé Geraldo, Jair Rodriguez, Morais Moreira, Luiz Caldas e Almir Sater são apenas alguns dos grandes nomes que subiram ao palco do Uirapuru. O evento foi apresentado na maioria das vezes por Elke Maravilha, uma personagem icônica do Cassino do Chacrinha, mas também contou com outras participações, como da atriz global Patrícia Pillar, o falecido ator Lauro Corona e Grande Otelo. O evento era tão relevante, que Almir Sater escolheu o Festival para fazer o lançamento nacional do seu novo disco na época
Operação resgate
Fitas de vídeos com shows do Uirapuru, fotografias, troféus do festival, jornais impressos, disco de vinil, cartazes e quadros, quase foram aniquilados com a demolição. Todo esse acervo estava na última sala a ser demolida, atrás da arquibancada do antigo ginásio coberto, quando um dos empresários do grupo que comprou a área, Jomar Souza Andrade, viu o material e achou ter algo que poderia ser importante ali e fez contato com Mário Carvalho, da Revista Caminhos Gerais.
Ao chegar ao local e ver se tratar de um material histórico e relevante, Mário separou alguns itens e acionou o jornalista Márcio de Paula, do Jornal O Informante, único veículo impresso da cidade de Timóteo e conhecedor da história do município. Mário Carvalho também fez contato com José Maria Rosa, um dos maiores vencedores do festival. No dia seguinte, enquanto a máquina derrubava parte da estrutura, os três tentavam recolher alguns objetos que achavam ser mais relevantes. Mas, infelizmente, muito ficou para trás, enterrado nos destroços.
Consternação
José Maria Rosa experimentou sentimentos ambíguos: por um lado estava consternado com o descaso da última administração do clube em simplesmente abandonar tamanha riqueza histórica; e por outro, feliz em poder estar ali naquele momento. “Vem tudo na memória, tudo que vivi no Uirapuru, um evento grandioso. Ao ver as coisas aqui desse jeito dá um sentimento de tristeza e ao mesmo tempo de alegria, por conseguir resgatar alguma coisa da memória de Timóteo, da região, de Minas Gerais e do Brasil. Uirapuru começou em 1983 e foi até 1992 sequencialmente. Em 1998 houve uma tentativa de retornar o Festival, mas só aconteceu naquele ano. E agora aqui vemos a morte literal do Uirapuru e do Clube Alfa,” lamentou.
O músico participou de 10 festivais Uirapuru e foi premiado 7 vezes. José Maria lamenta não ter encontrado o troféu que mais procurava. “Isso é frustrante porque já vim vária vezes aqui na secretaria atrás desse troféu. Eles me pediram emprestado para um evento. O troféu é o mais importante porque ganhei no festival em função da música Indaiá, canção que fiz para minha filha em 1992, quando tinha pouco mais de 1 ano, agora ela vai fazer 30. Eles nunca me devolveram esse troféu e vim aqui na esperança de encontrá-lo, mas infelizmente, já era. Só na lembrança agora,” disse com voz baixa e embargada.
José Maria Rosa se lembrou de vários artistas do cenário nacional e regional que subiram no palco do festival. Mas fez questão de destacar a estreia de um jovem músico timotense que se apresentou no Uirapuru e depois se tornou um referencial. “Lembro da estreia do Rubim ainda com 16 anos. Era um garoto prodígio e hoje é uma referência no bandolim no estado e no país. Tocava no Flor de Abacate, uma das grandes bandas de chorinho do Brasil”, enalteceu Rosa.
Rubim do Bandolim recordou com carinho seu primeiro festival. “Comecei nas esquinas com amigos, barzinhos de forma quase informal. Depois fui tocar nas escolas de samba, aí conheci mais pessoas como os músicos José Maria Rosa, Brasileiro, Carlos Loló e começou essa história de festival. O Uirapuru foi o meu primeiro grande palco. A importância foi grande até pela sua dimensão. E eram somente trabalhos autorais. Vinham compositores espalhados por esse Brasil afora, na época, muitos tocavam em vários festivais e começamos a fazer o mesmo. Foi no Uirapuru que iniciei minha história como músico profissional,” lembrou.
Rubinho do Bandolim destacou também ter tocado com Roberto José, músico de Cel. Fabriciano e um dos ícones do Uirapuru e da música regional, que teve projeção nacional e canções gravadas por grandes intérpretes como Elizete Cardoso, Paulo Diniz, Rolando Boldrin, entre outros.
Na época, havia uma efervescência cultural grande com uma geração que queria dizer muitas coisas. Roberto José lembrou o poder e da força do festival. “Timóteo conseguiu se transformar num berço cultural. O festival representava muita coisa, era incrível, foi surreal. Subíamos no palco com muita emoção e entusiasmo. Um evento de projeção nacional que me abriu muitas portas. Toquei e fui gravado por grandes artistas depois do Uirapuru”, lembra saudosamente Roberto José que ainda enfatizou ter ganhado seu primeiro festival com uma música que era uma espécie de protesto.
Uirapuru Mirim
Além de todo o glamour e vibração, o Festival era também uma grande escola, principalmente por contar com o Uirapuru Mirim, evento que ocorreu em algumas edições. Edmilson Neves, bancário e conhecido músico da região, cantou no Uirapuru Mirim nos anos de 1983 e 1984,e ficou feliz em saber do resgate de parte do material. Para ele foi importante ter acesso a grandes músicos do cenário regional e nacional quando era criança. “Foi determinante quanto ao discernimento do que eu queria ser quando adulto. Simplesmente mágico. Experiência única. Levo comigo até hoje aquela sensação de participar de algo tão grandioso”, relembrou.
Desdobramentos
O jornalista e escritor Mario Carvalho está catalogando tudo que foi resgatado sob seus cuidados. “É um material muito importante da história que quase se perdeu. Assim que fui avisado lembrei-me do amigo Márcio de Paula do jornal O Informante, por ser um jornal da cidade e ter identificação forte com o município. Histórias como desse festival não podem se perder, precisam ser preservadas e contadas,” afirma Mário.
Proprietário do único jornal impresso de Timóteo e o mais longevo da história do município, Márcio de Paula, do jornal O Informante, conseguiu recuperar registros impressos, como jornais e fotografias, além de alguns troféus.
O objetivo é em breve divulgar nas redes sociais parte das matérias destacadas nos impressos do Alfa. “É um material incrível, que compreende um capítulo importante na vida de muita gente. Pena que conseguimos resgatar pouco, mas ainda sim, vai possibilitar recontar parte dessa história. Timóteo é muito rico historicamente na cultura e no esporte, e o Clube Alfa foi peça fundamental nesse contexto. Acredito que as pessoas ficarão felizes com o que vão ver, descobrir ou relembrar”, ressalta Márcio de Paula.
O evento
As 10 edições do Uirapuru aconteceram quando Francisco Azevedo era o presidente do Clube. Ele conta que o nome Uirapuru foi ideia do José Nazareno. Uirapuru é um pássaro raro exclusivo da floresta Amazônica e conhecido pelo seu canto particularmente elaborado.
Francisco Azevedo destaca que o evento aconteceu em vários lugares como no campo do Acesita Esporte Clube, campo do Industrial, Ginásio Coberto e principalmente, na sede do próprio Alfa, e por vezes, reuniu mais de 10 mil pessoas. “Era um grande desafio porque quase sempre acontecia em locais abertos, então corria o risco de chuva. O Festival era enorme e muitas pessoas ajudaram fazer funcionar e nunca tivemos grandes problemas. Era um evento voltado para reunião da família, dos amigos e o clima era sempre bom”, relembra.
O Uirapuru acontecia sempre em dois dias e com grandes atrações. “No primeiro eram 20 artistas com músicas autorais que vinham de varias partes de Minas e do Brasil numa fase eliminatória. Desses, 10 avançavam para o segundo dia, onde havia premiações e outro grande show com artista de renome no Brasil”, lembra Azevedo que também destacou a autossuficiência do festival: “Ele se pagava, era autossustentável”.
A Acesita (hoje Aperam) era um grande parceiro e patrocinador do Uirapuru. Apesar de o Alfa ter diretoria independente, grande parte dos diretores, assim como o presidente, eram do quadro de funcionários da siderúrgica. Eduardo Lacerda, por exemplo, que também ajudou na realização do evento, cuidava do setor de comunicação do clube e do evento, e também trabalhava na comunicação da antiga Acesita.
“O Uirapuru marcou sua época como o mais importante evento cultural da região. Tínhamos uma boa equipe de trabalho e foi um grande evento”, lembra Lacerda que também fazia o jornal do Alfa na época. Todas as ilustrações do festival nessa reportagem foram retiradas desses jornais.
Reunião na secretaria de cultura
Ao saber do fato, o subsecretário de Cultura, Esporte e Lazer da prefeitura municipal de Timóteo, Cláudio Gualberto, convidou os jornalistas Márcio de Paula, Mario Carvalho e o vereador Vinícius Bim para uma reunião. Também participaram o músico José Maria Rosa e Mairon Cezar, da divisão de Cultura da PMT.
Na oportunidade os jornalistas relataram o conteúdo recuperado e questionaram o subsecretário se o município tem interesse e condições de abrigar e expor o material. Márcio de Paula ainda sugeriu a Cláudio Gualberto, que representava ali o poder executivo e ao vereador Vinícius Bim representante do poder legislativo, a criação de um Museu que possa abrigar e expor documentos, fotos e vídeos, não apenas do Uirapuru, mas também do carnaval de Timóteo e outros eventos culturais e esportivos importantes do município.
Museu de Timóteo
“Acredito ser urgente e imperioso pensar na criação de um Museu para cidade de Timóteo, já que a Casa de Memória encontra-se em total estado de abandono, assim como o Forno Hoffman. Creio que cabe ao poder público de Timóteo, tanto executivo como legislativo, a função de preservar, contar, expor e fomentar a cultura e história da cidade,” alegou Márcio de Paula.
Cláudio Gualberto destacou haver tratativas em relação ao Forno Hoffman e relatou que no início deste ano, Timóteo conseguiu o aceite para o Tombamento provisório do antigo Forno junto ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O subsecretário também falou das dificuldades enfrentadas com a documentação do Hoffman que se perdeu ao longo do tempo. Na sexta (16) o prefeito de Timóteo, Douglas Wilkys e o deputado federal Hercílio Diniz, se reuniram com o ministro do turismo Gilson Machado pleiteando a restauração do Hoffman.
Para o músico Edmilson Neves é importante ter um espaço adequado, como um museu, onde a população tenha acesso à história do município, em especial, ao Uirapuru. “Seria maravilhoso ver esta parte importante de nossa história sendo preservada e disponível pra todos que participaram”. Segundo Edmilson, suas filhas seguiram o mesmo caminho na música, Bianca, por exemplo, é vocalista da Banda Emma. Ele tem o sonho de mostrar para as filhas a apresentação que fez aos 12 anos no imponente Festival de Música Uirapuru. Certamente grande parte da população também gostaria ter acesso a essas imagens e objetos, para relembrar e celebrar um tempo importante na história do clube, do município e da vida de muita gente.
Segue abaixo Editorial escrito pelo editor do Jornal O Informante Márcio de Paula sobre a necessidade de Timóteo reconhecer sua história e projetar o futuro a partir de suas vocações:
Editorial – Resgate de material histórico e a necessidade de Timóteo se reconectar com suas vocações
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