No dia 27 de março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou em seu portal ter aberto procedimento para investigar a disseminação de notícias falsas na internet. Entre as motivações para a inciativa, o texto citava um estudo da Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP), que ranqueara os 10 sites que mais divulgavam as chamadas fake news no Brasil.
Ocorre que tal estudo na verdade era, em si, uma notícia falsa, desmentida pela própria associação, tendo sido originada em um mero post no Facebook, sem nenhum respaldo científico. Dois dias depois de publicar a informação, o TSE se viu obrigado a corrigi-la. Além de irônico, o episódio ilustra os desafios enfrentados pela Justiça Eleitoral em tentar prevenir que as fake news influam no resultado das urnas.
As dificuldades passam já pela tarefa de identificar quais notícias são falsas ou não. Travestidas de informações verídicas, que aparentam estar respaldadas em apuração profissional e dados científicos, como reportagens jornalísticas ou pesquisas acadêmicas, as fake news muitas vezes se alimentam de sua própria indefinição para se proliferar.
“É uma notícia inventada? É uma informação incompleta? É um fato não confirmado publicado como se tivesse sido?”, indagou o advogado Marcellus Ferreira Pinto, especializado em direito eleitoral. “Não existe no Brasil um conceito jurídico que possa ser utilizado na definição do que é fake news. Isso dificulta o combate a esse tipo de prática”, avaliou.
O tema foi eleito como prioritário pelo atual presidente do TSE, ministro Luiz Fux, que chegou a dizer, em uma palestra sobre o assunto, que, “se o resultado de uma eleição qualquer for fruto de uma fake news difundida de forma massiva e influente no resultado, [o Código Eleitoral] prevê inclusive a anulação”.
Desde que assumiu o comando da Justiça Eleitoral, em fevereiro, Fux já participou de diversos eventos sobre o tema, tendo organizado um seminário internacional no TSE sobre as fake news.
Ele também deu continuidade ao trabalho iniciado por seu antecessor, Gilmar Mendes, que criou, em dezembro do ano passado, o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, com foco na discussão sobre fake news.
Além de técnicos do TSE, participam do conselho representantes de governo, Exército, Polícia Federal, Ministério Público Eleitoral, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Comitê Gestor da Internet, acadêmicos e outros especialistas. Segundo o TSE, o grupo discute uma minuta de resolução específica para lidar com as notícias falsas no ambiente eleitoral, mas ainda não foram divulgadas ações mais concretas.
Por ora, o assunto fake news é regulado pela parte relativa à internet na resolução que disciplina a propaganda eleitoral como um todo (Resolução 23.551/2017). Pela norma, quem divulgar “fatos sabidamente inverídicos” sobre os candidatos está sujeito a ser obrigado a retirar o conteúdo do ar, mediante decisão judicial.
A resolução foi aplicada pela primeira vez em 6 de junho, quando o ministro Sergio Banhos deu 48 horas para o Facebook tirar do ar publicações de um perfil chamado “Partido Anti-PT”, com 1,7 milhão de seguidores, que associavam Marina Silva, pré-candidata à Presidência pelo partido Rede Sustentabilidade, a esquemas de pagamento de propina na Operação Lava Jato.
O ministro acolheu os argumentos da defesa, que constatou que Marina não é alvo de nenhum inquérito da operação. Banhos ressaltou alguns pontos que demonstravam com clareza tratar-se de notícias falsas, como a redação exagerada e efusiva, a falta de indicação de fontes ou referências para as informações e até erros de gramática e coesão nos textos.
Na previsão da advogada Karina Kufa, coordenadora de direito eleitoral do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), a Justiça Eleitoral deve ser inundada por reclamações do tipo, uma vez que, para um conteúdo ser retirado do ar, é preciso que o candidato ofendido acione o TSE e indique a URL (endereço eletrônico) a ser derrubada.
“Acredito que muitos candidatos vão procurar derrubar, mas não sei se vai ter uma efetividade. Às vezes se derruba um perfil e no dia seguinte tem outros cinco perfis no mesmo sentido”, ponderou Kufa. Ela lembrou ainda o compartilhamento via aplicativos de mensagens instantâneas.
Caso consiga identificar o autor da informação falsa, o candidato ofendido pode tentar responsabilizá-lo também na esfera penal, pelos crimes de calúnia, injúria ou difamação. É possível ainda abrir processo ainda na esfera cível, com pedido de indenização.
O advogado Marcellus Ferreira Pinto destacou, porém, que qualquer tentativa do TSE de combater as fake news precisa ser “relativizada em nome da liberdade de expressão”, que é um direito constitucional. Diante desse limitador, “a Justiça Eleitoral faz o que pode”, avaliou Karina Kufa.
Ambos concordaram que se ficar comprovado o uso massivo de notícias falsas, seja em benefício próprio ou em prejuízo de algum adversário, a eleição de determinado candidato pode vir a ser alvo de impugnação mesmo após a diplomação no cargo.