Por Márcio de Paula
Entrevista com Lama Dorje
Em entrevista exclusiva concedida ao jornal O jornal O Informante, Lama Dorje que esteve no Vale do Aço para ministrar palestra sobre Felicidade e Harmonia, falou sobre vários temas importantes para uma vida plena. Nascido no Nepal, um país asiático da região dos Himalaias, o Lama teve a visão de sua missão ainda muito cedo e com apenas cinco anos, pediu que os pais o levasse para o monastério. Atualmente, vive em uma montanha no Chile, mas visita outros países para tentar despertar a consciência das pessoas sobre a necessidade de olhar para dentro, de controlar a mente e reconhecer a felicidade como algo próximo e palpável.
A entrevista foi acompanhada por Yimura, diretora da Escola de Bodhisattua (Poder da Mente Desperta) do Condor Blanco. Ela foi a tradutora nas palestras do Lama Dorje nessa passagem pelo Brasil.
Márcio de Paula: Em um mundo e sociedade cada vez mais caóticos como encontrar paz?
Lama Dorge – Estamos no século XXI, em um mundo moderno com evolução tecnológica, as pessoas estão muito focadas nisso, nessas aparências, e acostumadas assim desde pequena. Então acho que a forma de encontrar paz em meio a isso tudo é aprender o dharma (aquilo que sustenta), estudar uma filosofia, receber uma instrução teórica e também apreender a meditar.
A mente é um grande centro de poder, como colocar essa força em benefício próprio, como controlar mente?
Tem dois tipos de potencial, pode ser usado pelo lado negativo e positivo. Se for uma mente destreinada realmente estará fora de controle, tem muita distração e vai fazer o que ela quer, como um cavalo selvagem. E por outro lado, a forma que temos é treinar a mente, até que um dia possa domar este cavalo, e aí sim, realizar tudo que quer.
Onde está a felicidade?
No caso da felicidade existem também dois tipos: a felicidade temporal (externa) e a felicidade interna. Principalmente aqui no ocidente sempre estão buscando a felicidade fora, por não saber, sendo que a temporal não dura. Já a felicidade interna é o que já temos, mas falta reconhecer, por isso muitos vivem nessa ilusão, às vezes como forma de evadir uma dor internamente. A verdadeira felicidade surge de uma causa, ela não vem sozinha, então quais são as causa dessa verdadeira felicidade? É você cultivar o amor, a paciência, a tolerância e a mente altruísta que quer beneficiar a todos.
Vivemos em uma sociedade capitalista e a prosperidade é importante para ter melhor condição de vida, contudo, em que momento essa busca pela prosperidade deixa de ser saudável?
Claro que a prosperidade é importante, ter uma casa, recursos, mas ela deixa de ser saudável quando foca toda uma vida nisso, só buscando recursos. Quando paramos para pensar no dia em que deixar esse mundo, o que adiantou passar uma vida inteira adquirindo sempre mais dinheiro, não vai levar nada disso, é tudo temporal. Deixa de ser saudável quando coloca o foco só neste valor, e se deixa controlar por esses desejos. Imagine uma pessoa que está com muita sede e bebe uma água salgada, nunca vai matar a sede. O mais importante é o equilíbrio, quando cultivamos só o externo estamos sobrevivendo e não vivendo.
O apego é o grande vilão das relações?
O apego é uma das grandes causas do sofrimento, e existem vários níveis de apego alguns mais sutis e outros não. Tem o apego a família, ao marido, a mulher, as coisas materiais, inclusive o apego a si mesmo. Uma forma de ir pouco a pouco desapegando (e quando falo desapegar não significa negar o externo ou o dinheiro) é compreender a lei da impermanência. O apego surge pela nossa visão errada de achar que todos os fenômenos externos que podemos experimentar através dos cinco sentidos são permanentes. É dai que surge o apego, mas quando compreende a impermanência, automaticamente não vai ter por que ter apego, pois nada nos pertence. O apego não nos deixa estar no tempo presente, vivendo com medo de perder algo e com aquela expectativa do futuro, então gera ansiedade e preocupação. Por isso quando compreendemos a impermanência é maravilhoso, porque podemos viver o presente. Não precisamos negar nada, os prazeres de uma boa casa, boa comida, mas saber que é passageiro, e se amanhã não tem eu estou feliz igual. Quando nos permitimos estar presente compreendemos que cada momento é uma oportunidade de desfrutar a vida. Muitos tem o mal habito e a tendência de falar “amanhã serei feliz, se tiver essa casa, esse carro, fizer aquela viagem vou ser feliz”, sempre deixando para o futuro, mas a felicidade está dentro de nós e no tempo presente.
Estamos caminhando como humanidade e planeta em um nível de degradação ambiental e social muito avançado. Onde iremos chegar e o que precisamos fazer?
O mundo todo está com essa violência e ambição, realmente se continuar assim virá mais sofrimento, mas se um toma a consciência já melhora sem esperar mudar todos. Cada um mudando, podemos trazer essa paz mundial, mas começa com a paz interna e cada um assumindo a sua responsabilidade. Apenas uma pessoa poderia destruir todo esse planeta e por outro lado uma pessoa que realmente desperte maior consciência pode iluminar todo esse mundo.
Como ter melhores relações com esposa, marido, filhos, pais e amigos, já que estão cada vez mais distanciando uns dos outros, também por influência da tecnologia e das redes sociais?
Primeiro é preciso cultivar uma boa relação consigo mesmo, com um bom coração, honestidade, autodisciplina, respeito e confiança, esses são valores importantes. Se uma pessoa não está bem com ela mesma seguramente não terá boas relações. Quando está conectado com a mente egoísta, há tendência de comparar e a sociedade materialista e capitalista foi educada e incentivada a competir em tudo. O sofrimento, comparação, ciúmes, inveja, separação acontece por causa desse ‘eu’, dessa mente egoísta. O budismo fala que todos somos um coração, isso significa que independente da sua forma física, se você é rico ou pobre, inteligente ou ignorante, todos sem exceção, somos buscadores e merecedores da felicidade, temos o direito de ser feliz.
O senhor ficou quatro anos em um retiro em silêncio. O que o silêncio nos fala, quais ensinamentos nos transmite sobre nós mesmo e o universo?
Não é tão fácil, tem muitas provas e desafios, e o silencio hoje em dia é bem difícil, temos muito barulho interno e externo, mas o silêncio ensina encontrar a própria essência, conectar com sua origem, e também sobre a união de todos os caminhos. As pessoas hoje falam muito, mas não sabem escutar, inclusive numa comunicação não sabe escutar o outro e nem a ela mesma. O silêncio não significa só calar, o verdadeiro silêncio é o da mente, só assim vamos nos permitir conectar com a essência pura.
Há uma preocupação com as gerações futuras, já que estão cada vez mais acelerados e impacientes?
A tecnologia está muito avançada, tem muitas oportunidades, mas por outro lado gera desequilíbrio, contamina pelo excesso de estímulos, a mente fica muito agitada. É preciso também estudar o mundo interno e reconhecer a vida que tem agora como uma dádiva preciosa. Que o jovem possa através do autoconhecimento despertar todo o seu potencial, ser feliz e apoiar os demais. Os jovens vivem intensamente muitas emoções, seria interessante se eles pudessem começar a meditar, assim terão a possibilidade de despertar e ver tudo com mais clareza, não sendo controlado por essas emoções apegadas a esse mundo de aparência. Através da meditação melhora a concentração. Hoje em dia as crianças sabem mexer em tudo nas redes sociais, isso faz que a mente fique agitada e corta a conexão com o coração, com o mundo interno. Estão só focados no externo e ai não vão por um bom caminho.
Qual a dica para alguém que nunca meditou e pretende começar a meditar?
Existem dois tipos de meditação, a ativa e a de acalmar a mente. É bom que o corpo esteja relaxado, não importa se no chão ou na cadeira. O ideal é que seja em um lugar com silêncio, pois facilita a concentração. Pode começar respirando profundamente três vezes. Depois inspirar calmamente com consciência, pensando estar recuperando toda a energia, e expirar eliminando toda a tristeza. A outra forma de meditação é para acalmar a mente, se tiver como, pode ascender uma vela e olhar a chama, sem examinar ou analisar, e trazer a mente para o tempo presente, concentrando apenas na chama da vela e na respiração. A respiração é inspirar pelo nariz e expirar pela boca. E durante o dia no trabalho ou dirigindo sempre se lembrar de respirar corretamente e com consciência. É melhor fazer com menos tempo e mais vezes ao dia, pode começar com um ou dois minutos, porque no início é difícil ficar concentrado, mas com a prática melhora.
Gostaria de dizer algo mais ou reforçar alguma coisa?
Basicamente é que a gente possa reconhecer essa vida que temos agora, esse potencial ilimitado, e que possamos praticar no dia a dia a espiritualidade. Praticar a espiritualidade não necessariamente significa ser religioso ou pertencer a um caminho, é tratar de deixar a mente positiva, ter boas intenções com os outros, com a família e fazer o bem, e ainda que não consiga fazer o bem, que tenha sempre na mente pensamentos positivos. Dalai Lama fala que a melhor religião é ter um bom coração, isso é muito simples e poderoso.
Agradeço a você Márcio, ao jornal O Informante e a cada pessoa que ler o jornal, que seja um apoio para despertar essa gota de consciência.