A representante do escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Denise Hamú, disse que a implementação da Agenda 2030, que estipulou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles, a erradicação da pobreza no mundo, levou pela primeira vez o organismo internacional a trabalhar em parceria. “A gente precisa dos diálogos e da sociedade civil forte e empoderada”, afirmou.
A representante da ONU falou durante participação hoje (31), no 9ª Congresso Brasileiro de Conservação (CBUC), que reúne até quinta-feira (2), em Florianópolis, Santa Catarina, especialistas e ambientalistas de diversas partes do mundo para discutir os futuros possíveis da conservação conjugando economia e natureza. O CBUC, que completa, em 2018, 20 anos de estudos e debates sobre o tema, é organizado pela Fundação Grupo Boticário.
No encontro, um dos mais importantes da América Latina, a representante da ONU Meio Ambiente disse que queria lançar “uma provocação” aos participantes para um maior engajamento na implementação da Agenda 2030. Segundo ela, as propostas são apresentadas em assembleias anuais da ONU, mas não são discutidas com a sociedade. Para Denise Hamú, a área ambiental é feita de parcerias e os temas precisam ser discutidos não apenas entre os especialistas. Conforme indicou, além da discussão de proteção das áreas, agora, o momento é de atuar com a sociedade e o setor privado relacionado ao meio ambiente, para ampliar os modelos de conservação com lucro, que possam gerar emprego e renda, para as comunidades terem vidas mais dignas.
Na visão da representante, a reforma da ONU encabeçada pelo secretário-geral, António Guterres, vai contribuir para a expansão dos diálogos para a implementação dos ODS. “Vai facilitar, mesmo porque, todas as agências têm que trabalhar para que os ODS acontecerem nos países. Não somos nós que vamos liderar estes processos, mas vamos trazer as experiências de um país para outro de regiões parecidas. A gente estará sempre trabalhando proativamente com os governos para fazer esta fertilização de ideias, bons exemplos, para que a gente possa avançar junto”, contou à Agência Brasil.
O empresário Pedro Paulo Diniz, diretor administrativo da Fazenda da Toca, em Itirapina, a 200 quilômetros da capital de São Paulo, especializada na produção de produtos orgânicos, concordou com a provocação, mas ponderou que é preciso deixar de polarizar as posições no debate entre a favor e contra, porque isso impede a sequência das discussões e representa uma perda de energia. “Acho que fazer o nosso papel polarizando não leva a lugar nenhum. Acho que temos que conciliar os interesses e continuar caminhando sem querer defender muito o certo e o errado. O importante é fazer”, apontou.
Diniz garantiu que um terço da terra fértil do planeta desapareceu nos últimos 40 anos e que 30% dos alimentos produzidos no mundo são perdidos no meio da cadeia no cenário em que 1 bilhão de pessoas passam fome, o que mostra que o sistema não funciona direito. Essa constatação o levou a desenvolver a produção orgânica em larga escala na Fazenda Toca de 2.300 hectares. Em 10 anos de acertos e erros aprendeu com a natureza a criar sistemas produtivos de fruticultura com orgânicos fugindo da agricultura tradicional que utiliza defensivos industrializados, comprometendo a vida da terra. “Hoje estou convencido de que o jeito mais eficiente de sequestrar carbono é por meio do solo, e solos vivos são os que mais sequestram carbono”, afirmou. Ele destacou mais uma vantagem neste tipo de produção, que pode ser reforçada com o emprego de sistemas de energia renovável.
Da experiência com a Toca surgiu a empresa Rizoma, um o projeto-piloto desenvolvido em uma fazenda de 1.500 hectares, também em São Paulo, mas dedicada à agricultura regenerativa. “A gente está preparando a terra, estaremos plantando a safra 2018/2019 para colher no primeiro semestre do ano que vem. Basicamente milho, soja, e estruturando o sistema de pecuária em uma integração de pecuária e floresta. Com vários consórcios, é uma fazenda demonstrativa que tem viabilidade econômica. Isso a gente vai registrar para inspirar outros empresários”, completou, acrescentando que está no radar da empresa trabalhar com produtores de agricultura familiar. “A gente tem algumas iniciativas. A Toca tem umas parcerias. Está no nosso radar”.
O vice-presidente sênior de Mercados e de Alimentação da WWF dos Estados Unidos, Jason Clay, contou a experiência que teve no norte do Brasil, quando, na década de 1980, desenvolveu projetos de produção de castanhas que seriam destinadas a empresas americanas. Ele contou que o projeto, criado em Xapuri, no Acre, gerou empregos e mudou as políticas públicas do estado. “Entre as primeiras lições que aprendemos, foi investir na qualidade e na eficiência”, observou, completando que é preciso fazer a integração de experiências entre os projetos desenvolvidos. “Precisamos de pessoas que façam a polinização cruzada, passando informações de uma empresa para outra”.
O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Paulo Carneiro, que representou o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, na abertura do encontro, informou que a entidade gerencia atualmente 335 unidades de conservação pública e 682 reservas particulares do Patrimônio Natural (RPPN), que correspondem 9% do território continental do Brasil e 25% da zona econômica marinha. Carneiro admitiu a dificuldade de realizar o trabalho, mas ressaltou que os profissionais ligados ao instituto têm conseguido cumprir a tarefa. Ele espera que o congresso permita a discussão de avanços técnicos na área, que precisa de uma atuação conjunta. “Nós já mostramos como juntos onde podemos chegar. Ao mesmo tempo divididos nós perdemos força, o que já aconteceu no passado”
O diretor-presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, disse que o desafio para a conclusão do encontro é que todos os participantes saiam mais preparados para enfrentar as situações futuras na área de conservação. Ele lembrou, que em outras edições, as moções, propostas apresentadas para a conservação da natureza, levaram à criação de novas unidades protegidas. “O objetivo desse 9º CBUC é ir além, evidenciando ainda mais as conexões entre economia, natureza e bem-estar”.
Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, a lei brasileira que instituiu o sistema brasileiro de unidades de conservação é tecnicamente razoável e não está apenas nas prateleiras, uma vez que os tribunais vêm se deparando com questões jurídicas com relação à aplicação dessa legislação. Embora tenha destacado que as unidades de conservação contam com bons profissionais, defendeu que precisam de mais recursos, porque elas não se afirmam em um passe de mágica. “Nós temos uma responsabilidade enorme, em um oceano de degradação e de destruição da natureza, de buscarmos para as gerações futuras aquilo que, em direito ambiental, chamamos de direito à vida, em outras palavras, as bases ecológicas da vida”, disse por meio de um vídeo transmitido no encontro.
*A repórter viajou a convite da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Agência Brasil